Envelheço.
Ao encontrar esta fotografia, percebo quão inexorável é o tempo. Parece que foi ontem que foi tirada por um fotógrafo amigo da família, de nome Gustavo (será que ainda vive? creio que não), que vezenquando aparecia em nossa casa munido de sua máquina fotográfica e se deliciava tirando fotos de toda a família.
Não sei porque, mas não gostava dele, coisa de criança, penso eu. Na verdade, ele implicava com o cordão que carregava minha inseparável chupeta. Meu ritual de dormir era enrolar este cordão ao redor do nariz até não me lembrar de mais nada. Meu irmão também implicava, mas dele é impossível não gostar. Até hoje, quando juntos, ele faz questão de me lembrar do dia em que nasci, do quanto chovia forte e de como foi impossível buscar um médico, pois as estradas estavam intrasitáveis, com uma ponte caída no meio. O resultado disso foi meu parto sendo feito pelo farmacêutico do lugar, escolhido depois para meu padrinho, talvez por ter conseguido me trazer ao mundo, torta mas viva.
Sou a mais nova de 3 irmãs nascidas do terceiro casamento de meu pai. Além delas, tenho mais 14 irmãos, resultado dos casamentos anteriores. Meu pai gostava de se casar, penso eu, mas gostava também de ser pai. Somos uma grande e unida família, com as alegrias e dores de qualquer outra, o que se deve ao patriarcalismo do velho Christovão, espanhol de sangue e de coração, que nos deixou sua honradez e educação como herança maior.
Mas eu dizia que envelheço. Nesta foto eu tinha menos de 2 anos, ou seja, foi tirada a pouco mais de 40 e ainda parece que foi ontem. As perninhas tortas são visíveis (foram corrigidas com dolorosas e pesadas botas), a cabeça também é torta, mas até hoje não se percebe bem, além de, pelo menos internamente, nunca ter sido desentortada.
Acho que não disse, mas sou a que está com a indefectível chupeta.
Vivíamos em uma chácara, com espaços imensos para brincar e nos machucar, mas eu era quietinha, ao contrário de minha irmã do meio, que era o desassossego em pessoa (na foto parece uma ladie, puro engano). Todas as manhãs, quando o caseiro do sítio de meu pai vinha trazer o leite, eu ia passear, montada na velha e mansa égua Violeta. Mal chegava e já pedia pra voltar, gostava mesmo era do passeio.
Levei corrida de touros, de bezerros, tomei banho de valão (assim chamávamos os riachos que cortavam as propriedades), corria descalça pelas ruas e quintal. Até que acabou. Mudamos para a cidade (pequena, mas cidade), onde vivo até hoje.
Nunca mais quis voltar ao lugar onde nasci, não gosto de lá, apesar de amar as boas lembranças daqueles tempos. Hoje gosto de grandes cidades, do anonimato que elas proporcionam e me arrepio ao pensar nas conversas de calçada, nas pessoas que iam À minha casa para assistir TV, em um tempo que poucos a possuíam. Será que minha mãe se incomodava com aquelas invasões diárias? Talvez até gostasse...
Acho que a passagem desses quase 40 anos me deixaram menos sociável, menos interessada na maioria da população deste planeta. Quanto mais envelheço, menos quero pessoas à minha volta, com exceção destas duas irmãs, que estão sempre ao meu lado, moram ao lado, na verdade. Dividem mais suas vidas comigo do que eu com elas; escuto-as mais do que falo; aconselho mais do que sou aconselhada, apesar de ser a mais nova das três, o que me leva à constatação de que envelheço.
O fato de estar envelhecendo não me desagrada, gosto do que me tornei, apesar de lamentar o aprendizado de coisas tão essenciais somente após tanto tempo. Resta a certeza de que melhor aprender no fim do que em momento algum.
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