segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Se tu me esqueces

Quero que saibas uma coisa.
Tu já sabes o que é:
Se olho a lua de cristal, o ramo rubro do lento outono em minha janela, se toco junto ao fogo a implacável cinza ou o enrugado corpo da madeira, tudo me leva a ti, como se tudo o que existe, aromas, luz, metais, fossem pequenos barcos que navegam para estas tuas ilhas que me aguardam.
Pois, ora, se pouco a pouco deixas de me amar, de te amar, pouco a pouco, deixarei.
Se de repente me esqueces, não me procures, já te esqueci também.
Se consideras longe e louco o vento de bandeiras que canta minha vida e te decides a me deixar na margem do coração no qual tenho raízes, pensa que nesse dia a essa hora levantarei os braços e me nascerão raízes procurando outra terra.
Porém, se cada dia, cada hora, sentes que a mim estás destinada com doçura implacável, se cada dia se ergue uma flor a teus lábios me buscando, ai, amor meu, em mim todo esse fogo se repete, em mim nada se apaga nem se esquece, do teu amor, amada, o meu se nutre, e enquanto vivas estará em teus braços e sem sair dos meus.
Neruda
Na falta do que escrever, leio.

domingo, 28 de outubro de 2007

"porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência."

Caio F., in Vai passar.

Música

Tudo que vai...

Deixa sempre tanto...
Leva sempre demais...

sábado, 27 de outubro de 2007

Para uma noite chuvosa

Há tantas vidas vazias e inúteis, desperdiçadas pelo não agir, não se importar, enfim, não ver além do próprio umbigo. Hoje, assistindo um filme que ganhei há quase 1 mês e que, por trabalhar mais do que devia, ainda não tinha parado pra ver, me emocionei e chorei sozinha, esquentando meus travesseiros já mornos do calor infernal que assola essa terrinha esquecida.
Raríssimos filmes me fazem chorar. Abro aqui duas exceções para Philadelfia e A Casa dos Espíritos, os quais posso assistir mil vezes e mil vezes chorarei feito criança. Eles, os filmes, me doem profundamente. Tanto que permaneço pesada de tristeza horas após tê-los visto. Entretanto, não foi nenhum deles que assisti hoje, mas Batismo de Sangue, adaptado do livro homônimo de Frei Beto.
Sempre me emocionei com a história de Frei Tito, de sua pureza, de sua crença na bondade das pessoas, de sua religiosidade inocente. Gostaria de tê-lo conhecido. Gostaria que ele tivesse resistido, que seu espírito puro não tivesse se contaminado com os demônios torturadores que lhe tiraram a vida bem antes de sua morte.
Gostaria de viver em um país menos ignorante, onde sou obrigada a ouvir que bom era no tempo dos militares. Gostaria que aqueles que ainda defendem tais métodos de governo (e de assassinatos) que levou tantos meninos e meninas a pegarem em armas em busca de liberdade pudessem entender que, por mais que tenham conseguido lucros pessoais neste período (acredito que somente aqueles que obtiveram vantagens pessoais, direta ou indiretamente, defendem um regime de exceção), as tantas mortes de pessoas decentes que hoje poderiam estar fazendo diferença neste país são impagáveis.
Ao mesmo tempo me pergunto: de que valeu tudo aquilo? Temos uma democracia e um país povoado de adolescentes (e até adultos) pequeno-burgueses, alienados, que se preocupam, quando muito, com a etiqueta do jeans ou do tênis. É a geração modinha, uniformizada, que jamais entenderia a rebeldia daquela outra juventude que abria mão da própria vida, crendo que venceriam a ditadura militar, altamente organizada e amparada por padrinhos poderosos.
Queria ter pertencido à geração de Frei Tito. Nasci tarde. Assim, me resta torcer para que esta mancha vergonhosa em nossa história não se repita, pois, se vier a acontecer, penso que caberá a nós, quase velhos, fazermos o papel daqueles jovens.
Teríamos aquela coragem ? Estaríamos dispostos a morrer por este país?
Penso que não. Infelizmente penso que não, pois nçao são muitos os que crêem que seja " preferível morrer a perder a vida".
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Quando secar o rio da minha infância secará toda dor.
Quando os regatos límpidos de meu ser secarem
minh'alma perderá sua força.
Buscarei, então, pastagens distantes
lá onde o ódio não tem teto para repousar.
Ali erguerei uma tenda junto aos bosques.
Todas as tardes me deitarei na relva
e nos dias silenciosos farei minha oração.
Meu eterno canto de amor:
expressão pura de minha mais profunda angústia.
Nos dias primaveris, colherei flores
para meu jardim da saudade.
Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio.
Frei Tito, 1972

domingo, 21 de outubro de 2007

Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondida e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso : da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim.
Caio F.
O calor voltou e trouxe consigo milhões de bichinhos de luz.
Parecem gente triste ao redor de quem lhes traga um pouco de alegria.
Como tais, dão pena em quem vê.
Prefiro apagar todas as luzes...

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Bailarina


"Tenho pensado se não guardarei indisfarçáveis remendos das muitas quedas, dos muitos tombos - embora sempre os tenha evitado.

Aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes para despertar a suavidade alheia. E mesmo assim, ainda insisto".


Caio F., in Morangos Mofados



E porque hoje é sexta-feira,

E porque, finalmente, chove

E porque a vida é boa, apesar

Escuto Elton John (Tiny Dance)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Nostalgia

Engraçado como lembranças de coisas e pessoas que passam ficam tatuadas em lugares estranhos em nossas vidas. De repente estamos arrumando gavetas de armários que mexemos diariamente e lá encontramos retalhos de lembranças displicentemente jogados e nos voltamos a conversas passadas, a lugares quase esquecidos, a pessoas há tanto não vistas.
Arrumando minha bolsa para mais um feriado, me deparei com uma blusa esquecida no cantinho do armário. Adorava usá-la, me fazia lembrar sempre daquele presente luminoso, único, que amei com a mesma intensidade do amor que sentia por quem me presenteava. A cor suave, o brilho discreto, tudo nela era feito pra mim.
Quem sabe o tempo esfrie um pouquinho e eu possa usá-la? Mas, mesmo que o calor perdure nestes dias, levo comigo minha linda, suave e repleta de lembranças blusa. Quem sabe ela me faça retornar a dias tão luminosos quanto aquele em que a recebi.
É só uma blusa, assim como o elefantinho de madeira com o qual marco meus livros, mas tão repletos de cheiros imaginados, de momentos vividos e tão vívidos na memória que, ao simples toque, me fazem desejar poderes de congelar o tempo e o espaço em busca de toques, sentires e alegrias quase esquecidas, mas que ainda persistem em se manter guardadas, esperando apenas um toque descuidado para renascerem com a mesma força com que foram sentidas nestes tantos períodos de vida que, por mais ilusórios que hoje possam parecer, foram reais e intensos.