sábado, 1 de março de 2008

APRENDIZ

Era quase dia de ir embora e ele decidiu esticar a noite, talvez na esperança de fazê-la eterna, quem sabe tentativa de parar o tempo... Entre as tantas frases, chopes e tequilas, a pergunta aparentemente superficial: - Você aprendeu alguma coisa comigo? - Sim, nunca mais fiz lasanha como antes. Copiei sua receita. Leviandade responder naquele momento qualquer coisa séria. Outros assuntos, outras frases, outros bares, e não mais retornamos àquele curto diálogo, perdido entre as tantas coisas que dizemos quando percebemos que a partida está bem perto, mas hoje, quando tanto asfalto já nos separa, reflito no quanto minhas fronteiras se expandiram, inclusive as geográficas, depois que o conheci. Sim, aprendi muito e tanto com ele... Vejo hoje o que escrevo e leio com seus olhos o quanto de mel posso ter produzido. Controlo-me e busco sua ironia carregada de riso. Aprendi a descer das nuvens... Leio autores que nunca descobriria, ouço músicas que não conhecia, recebo crônicas inéditas, e melhor, feitas pra mim. Descubro-me nas linhas e entrelinhas. Aprendi a me enxergar... Ganhei um jeito de olhar que é mistura de brilho e opacidade. Depende se ele está longe ou perto. Me fiz riso, gargalho, lágrima e retorno do riso. Aprendi a me deixar levar... Exercito paciência, descubro-me irracional, controlo (tento) meus gritos, aprendo a ceder, domo ansiedades, me bato com saudades. Me faço e refaço diferente a cada dia, vinculada apenas ao amor, elo indizível ao qual me prendo voluntária. Aprendi a entrega... Aprendo-o, aprendo-me e busco incessante a fórmula mágica de Quintana, para parar o tempo "em cima do telhado, feito um catavento que perdeu as asas" e me recolher no calor das dele, que me ensinam amor, sempre e a cada dia mais.

ÀS AVESSAS

Andava insatisfeita com a vida e tudo que dizia respeito a ela já há bastante tempo. Que será que estava acontecendo que tudo que começava, ou ficava por terminar ou apenas se acabava das piores e mais loucas maneiras? Depois de muito pensar, chegou a conclusão de que o problema era ela mesma. Havia nascido com uma pequena falha de fabricação que lhe impedia de concluir satisfatoriamente qualquer tarefa, até as mais cotidianas. Culpou-se, chorou, se desesperou, até o dia em que se apaixonou. Ai foi o completo caos. Se em pequenas e desimportantes coisas já fazia tanta porcaria, imagine no abstrato e intrincado jogo de amar, suscitar e manter amor? Seria a imagem mais nítida e perfeita do fracasso. Mas ele estava ali e não tinha opções mesmo. O jeito era encarar de frente essa "coisa" que se apossa da gente e faz liquidificador das vontades e desejos daqueles que são contaminados pelo danado. Tinha certeza que seriam erros mil; acreditava-os certos e líquidos como suas pernas ao se defrontarem com o objeto do seu desejo. Histórias de contos de fadas? Pura ilusão pra essa desajeitada mulher, que fez dos erros sua principal característica. Mas como tudo ali era diferente, foi exatamente amando que aprendeu que seus erros, longe de a tornarem menor, a haviam enrijecido pras lutas cotidianas e mais condescendente para as falhas alheias, coisa imprescindível em qualquer relação. Errou uma, duas, infinitas vezes... Errou e aprendeu a refazer e refazer-se; aprendeu a perdoar e perdoar-se; a tentar e tentar novamente. Até que um dia fez tudo certinho, é certo que teve ajuda, pois descobriu que nessa vida ninguém erra sozinho. Até pra isso há que se ter companhia. Hoje, quando olha sua vida, sorri serena e é constante ouvi-la contar aos netos, que estão sempre a rodeá-la, suas inúmeras histórias dos tantos erros que cometeu. E como em contos de fadas às avessas, é assim que começa:
- Erra uma vez...

ENTRE AZUIS E LARANJAS, TE VEJO NO CÉU DE MAIO

Imagino que deves estar aí ansioso por esta resposta, mas faltou-me tempo e inspiração pra lhe escrever com o cuidado que mereces. Há tempos não nos falamos, não é? A vida faz com que, por muitas vezes, acabemos nos afastando daqueles a quem queremos tanto bem. Mas me lembro sempre de você, em especial quando a tarde cai e o céu começa a se pincelar de laranja, nestes dias frios que tenho aqui. Se lembra quando íamos de ônibus pra faculdade e adorávamos ficar olhando, naquela curva do Morro da Mangueira, o céu escandalosamente laranja? Você costumava me dizer que sentia-se energizado pela cor e desatava naquele seu riso gostoso; ríamos tanto naqueles tempos... Pois é, agora fica impossível não me lembrar de ti nestas tardes, mas o faço com uma saudade que, longe de doer, me faz sorrir. Todas as vezes que penso em você eu sorrio. Me lembro de você também durante o dia, nestes dias de maio. Engraçada esta ligação que faço entre você e o céu. Novamente é quando olho pra cima que te recordo, quando sentávamos aqui na varanda e olhávamos por horas o azul que só acontece neste mês. Me dizias que era pra você esta cor; presente de aniversário do Criador. Aqui o céu continua lindamente azul, e aí? Ainda sonhas como antes? Fantasiávamos nosso futuro tão cheio de realizações, mesmo sabendo que seria quase impossível realizá-lo daquela forma... Mas era tão bom!!!!! Eu aqui consegui pouco, mas caminhei bastante. E continuo sonhando, sempre... Outro dia ouvi que só sei escrever coisas de amor, que preciso aprender a falar do que não vivi, mas não consigo. Tudo que faço é com o coração. Continuo aquela romântica da qual tantas vezes você riu. Mas sempre desconfiei que você também o fosse, confesse. Continuo, muitas vezes, querendo fazer o tempo voltar; por outras tento analisar o amor, como bichinho de microscópio, mas ultimamente, tenho mesmo é me deixado arrastar por este furacão e nada mais faço que deixar que ele me leve onde achar que devo permanecer. Finalmente sigo um conselho seu... Continuo aqui abrindo meus arquivos de memórias e revivendo tantas coisas boas que já vivi, inclusive contigo. Não foram muitas, mas foram tantas!!!! E, a cada vez que reabro e revivo, rio, choro, deságuo e torno a rir. E sinto sua falta pra recordar e chorar e rir comigo. E me pego aqui olhando o céu, mas agora é noite e as estrelas não me dizem de ti; preciso esperar o dia renascer e com ele as lembranças. Fico esperando então sua resposta, ainda que saiba que nunca receberás a minha, pois onde estás não há correios ou e-mails. Quem sabe o céu azul de amanhã te leve meu recado?

PARTÍCULAS DO OBSCURO

Em marasmos de dias sempre iguais
Encontro-te em espaços atemporais
Mistérios que em mim se fazem constantes
Reflito e me conflito em desejos e não quereres
Não anseio ver-te, mas sonho contatos
As bocas são sempre tão iguais e mornas...
Quero-te distante, mas pretendo seus abraços
Em especial nestes dias de frio e chuva
Por onde andarás neste exato instante em que te penso?
A caminho do trabalho, disso tenho certeza
Mas podes também estar a mastigar a vida destemperada
O telefone não irá tocar, isso é previsão concreta
A campainha portanto não me chamará ao portão
O carro que buzina não me solicita presença
Apenas clama que lhe tirem dali.
Feito eu neste instante.

PRETENSÃO

Ah se eu pudesse...
Se eu pudesse ser...
o dia pra espalhar claridades e clarividências;
a noite pra chover estrelas em céus negros de almas amargas;
o amanhecer pra colorir vidas monocromáticas;
o entardecer pra suavizar em explosão de laranja sentimentos obscuros;
o fogo e queimasse as dores e mágoas;
o vento, mesmo os furacões, e levasse coisas e pessoas a outras coisas e pessoas;
a terra e nela fincasse raízes de amor e enterrasse ódios e amarguras;
a água e lavasse as palavras mal faladas, mal escritas e mal-ditas;
a chuva e transbordasse os rios de afetos e fizesse corredeiras de paixão;
as distâncias e as diminuísse na medida exata da saudade que causam;
a saudade e a substituísse por presença;
a presença e a fizesse constante;
a constancia e nunca a permitisse rotina;
Se eu pudesse o amor...
Ah se eu pudesse!
Passeando pela net, encontrei um blog de alguém que gosta do que escrevo. Acabei redescobrindo escritos antigos que eu não tinha mais. Foi bom reencontrar minhas palavras, assim como é bom saber que alguém teve o cuidado de guardar meus tantos sentimentos naquele espaço.

Passagem

É estranho pensar que somos tão vulneráveis à passagem do tempo, seja aquele contado nos relógios e calendários, seja aquele interno, dentro de cada um.
É ruim pensar que somos apagados pela borracha do tempo nas lembranças e carinhos de outros a quem dedicamos sentimentos e dividimos um pouquinho que seja do que temos de melhor (e do pior também).
Ficamos sentindo que fomos desimportantes o bastante para sermos excluídos da vida daqueles que nos abandonam e, pra ser sincera, abandono dói e incomoda tanto!
É realmente estranha a passagem do tempo, que deixa lembranças, dores, alegrias sempre recordadas e pessoas que, sem nem dizer tchau, desapareceram nas estradas tortas dos tantos caminhos que percorremos.
Mas, dificil mesmo é ficar sempre imaginando se dissemos, fizemos algo para tal "sumiço", ou foi apenas porque fomos desinteressantes o bastante para sermos esquecidos juntamente com o calendário passado do ano que acabou.
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