sábado, 4 de agosto de 2007

À DERIVA

O caso já durava há anos, acho que mais de dez, quando tudo aconteceu.
Ela sabia que nunca seriam mais que amantes, nunca a enganara com vãs promessas de cafés da manhã juntos, passeios pela cidade ou feriados. Ela sempre conhecera seu lugar, à margem de sua vida.
Encontrava-a, a principio, todas as tardes. Encontros furtivos e apaixonados em motéis do centro da cidade, onde não corria risco de ser flagrado por algum conhecido. Ela mostrava-se sempre satisfeita com estes pequenos nadas e jamais pedira além do que tinha direito.
Com o tempo, os encontros tornaram-se semanais. O trabalho lhe cansava o corpo e a mente, além dos tantos problemas domésticos da família que crescia em idade e lhe cobrava atenção e presença. Para ser franco consigo mesmo, ele também já não possuía aquele furor do inicio, a não ser por alguma estranha que lhe arrancava da quase constante apatia.
Neste período, a esposa nunca desconfiou, sabia ser discreto e ela, a outra, por sua vez jamais lhe incomodara fora dos horários rigidamente estipulados por ele para que nada saísse da rotina estabelecida.
Casara-se com a primeira namorada, escolhera a profissão meticulosamente, o carro que teria, os filhos, tudo fora cuidadosamente planejado. Depois fora apenas caminhar no sentido que havia escolhido, e assim fora até que ela surgira.
Encontrara-a casualmente numa lanchonete e logo percebera um olhar tão tristonho e melancólico que o fizera relembrar dele próprio adolescente, quando ainda sonhava com inesperadas e fortes emoções.
Puxara conversa e, sem que percebesse, ela lhe reavivara a vontade de se guiar pelas emoções e sonhos de outrora. Barco à deriva, ela fora facilmente conquistada pela força e racionalidade dele, vendo ali o ânimo de que precisava; amara-o incondicionalmente.
Sagitariana, apaixonava-se perdidamente e buscava na coragem daquele ariano o contraponto para sua fragilidade. Se foi amor verdadeiro nestes anos, acho que ele não poderia avaliar, mas o certo é que, sentindo-se cada vez menos dono da razão e ela menos dona de suas emoções, após dez anos, decidiram definir este casamento periódico.
Ele, decidido, caminhou até o lugar onde haviam marcado. Pela primeira vez se encontrariam num local publico, talvez na esperança de que o mundo presenciasse que existiam, que eram reais.
Pensava nas palavras que diria e em como não assustá-la, a cabeça num furacão de frases ensaiadas e que agora lhe fugiam.
Sentou-se no barzinho e ficou à espera por bastante tempo, antes que o garçom lhe trouxesse a carta. Pelo envelope lhe reconheceu a letra, redondinha, parecida com aquelas de professora primária. Ninguém lhe escrevia o apelido carinhoso, apenas ela.
Abriu com um incomodo que não sabia definir, mas era dor.

“Meu amor,
Desde que te conheci...

Houve tempos de chorar,
E houve outros de rir.
Houve dias de chegar,
E houve outros de partir.
Houve horas de gritar,
E houve outras de calar.
Houve momentos de planejar,
E houve muitos de sonhar.
Houve instantes de deixar,
E houve muitos de ficar.
Houve tempos de teimar,
E houve muitos de aceitar.
E houve tempos de amar,
E nenhum segundo de odiar.
Com amor,
Eu

Ps: nos escoramos neste amor e é chegada a hora de navegar em busca de algo que possa hamar de meu; nunca mais à deriva, nunca mais ser além de mim...”

Horas depois ele ainda relia aquela nota de rodapé, num bilhete que começara com amor e se indara em desalento ao pensar no quão pouco lhe valia tantos anos de busca por uma vida que agora não mais queria...

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