quarta-feira, 8 de agosto de 2007

PEDAÇOS

É, sei que você dirá que sou exigente demais, que nunca me satisfaço e que deveria me sentir uma privilegiada. Sei também que me olhará com esse seu jeito de quem sabe que ali, na próxima esquina, estarei de cara quebrada chorando e imaginando que devia ter te ouvido. Ah, sei de tudo antes mesmo de te contar das minhas inquietações, mas, teimosa que sou, direi assim mesmo. Sabe que nunca dispensei um bom bate-boca, principalmente com você, que pode ser tão convincente e renitente quanto eu.
Já consigo enxergar os 40 anos ali na frente. Parece que foi ontem, quando te conheci e enchia a boca dizendo ter 35 anos; você 37. Perceba que hoje já estou me aproximando dos 38 e o tempo deu uma acelerada, quase me derrubando. Nem percebi sua pressa, mas sei hoje que pessoas com a nossa idade não podem ser dolentes, não devem ser pacientes e, principalmente, não necessitam ganhar, dar, trocar ou seja o que for, pela metade.
Já imagino o que vai me dizer, mas espere, me deixe terminar. Você e sua mania de me interromper, mesmo quando estou escrevendo...
Estamos num momento em que, ou vamos todo ou melhor não irmos nada; não dá pra brincar ou superficializar (existe esta palavra? Meu Word está grifando aqui, mas se não, acabo de criar). Não dá mais pra passar 6 meses olhando o coleguinha da escola antes de dizer seu interesse. Não dá pra passar 1 ano de saudades até o próximo verão na praia. A possibilidade de não acordarmos ou não termos outros verões é real. Ta aqui berrando na minha porta.
Também não dá pra engolir os sapos que digeríamos na adolescência. Ou nossa garganta encolheu ou eles cresceram, mas o certo é que acabamos cuspindo todos. A seletividade acaba nos fazendo solitários por mais tempo, mas quem disse que queremos companhia só para os conhecidos não acharem que somos mais feias, complicadas ou fora dos padrões que consideram normais? Se é pra ter um alguém, que ele seja, no mínimo, especial. Eu, já exigente quando novinha, imagine agora...
Tenho medo da solidão não, e você sabe disso. Gosto de mim, de curtir meus silêncios e pensamentos. Não corro atrás de companhia; as que surgiram foram mais por insistência do outro que minha, e só as mantive enquanto senti que se dedicavam à mim na mesma medida que eu a elas. A coisa diminuiu? Saio fora, apagando o sentimento, lavando da alma e do corpo os vestígios do que um dia me fez feliz. É certo que dói pra burro, mas a gente sempre consegue, ainda que depois de litros de lágrimas e noites mal dormidas em que se busca o porquê de tudo ter se desencaixado quando parecia tão bom...
Eu sei, eu sei. Dessa forma continuo sozinha, mas ainda prefiro isso à meias medidas. Me tem aquele que se derrete por mim, que faz loucuras adolescentes, que se entrega e me mostra que sou algo de muito precioso em sua vida. Isso prende meu coração e vou inteira, sem medo, orgulho ou vergonha.
Mas quando sinto que já não há intensidade constante, que já nem faço tanta falta, começo também meu caminho de regresso. A cada dia ando um pouco mais, até sentir que voltei pra casa. A partir do momento em que retorno integralmente, acabou. Apago, desligo e esqueço. A coisa fica sem retorno; finito.
Agora me diz, você que sempre discutiu comigo, me mostrando o reverso da medalha, estou errada? Devo ser feliz com porções quando já tive o prato todo? A certeza de ficar só deveria me levar a aceitar pedaços, quando tenho fome de inteiros?
Não sei você, mas eu prefiro, a cada vez que sinto os pedaços surgindo, recomeçar meu caminho de volta, sempre e mais uma vez e, em todas elas, de nariz pra cima, como quem nem sofre, dizendo:
__ Solidão, eu to voltando pra casa!

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