quarta-feira, 8 de agosto de 2007

OBJETO DE SOLIDÃO

Há anos guardava o pequeno álbum no fundo de sua gaveta. O tempo lhe encardira as cores e lhe embaçara a beleza mas, ainda assim, era o que de mais precioso possuía.
Não lhe guardava a juventude, não lhe conservava as imagens das tantas viagens que fizera, tampouco lhe mostrava o sorriso dos filhos. Na verdade conservava apenas uma foto, perdida entre as “sacolinhas” que possuía, de um casal sorridente e aparentemente feliz.
O tempo, ao contrário do que fizera ao papel da capa, se mantivera distante daqueles dois que, nem ele se lembrava o tanto de anos, permaneciam felizes, intocados pelas agruras diárias do mundo ou das impossibilidades que lhes deram tão pouco do muito que tinham a se dar.
Pouco buscava aquele recanto mas, vez por outra, ao remexer roupas, sua mão esbarrava ali e era impossível não buscar, nos olhos e na memória, o tanto de alegrias que aqueles dias lhe trouxeram.
O sorriso aberto, os olhos que, meio vesguinhos, se encolhiam quando sorria ao lhe ver, hoje eram lembranças que ferroavam sua vida, pois a amara e, mesmo assim, deixara que partisse.
Dos dois ficara apenas a foto, tirada num restaurante barato do centro da cidade, sem nenhum artifício, mas que captara a alegria que era estarem juntos. Ela hoje andava por outros mundos, vivia outra vida, longe demais para que seu arrependimento pudesse trazê-la, por mais que fosse isso que quisesse.
Sua lembrança lhe advertia todos os dias do quanto sua vida era insípida e descolorida; a saudade era lembrete cruel do que deixara por uma vida que agora rejeitava e o amor era o algoz que o avisava, incansável e latente, que nada vale a pena se a solidão for sua única e constante companhia.
A cada abrir daquela gaveta, a cada relance naquela foto, mais entendia que ela tornara-se sua única certeza de que um dia fora feliz e hoje tornara-se seu precioso objeto de solidão.

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