quarta-feira, 8 de agosto de 2007

SONHO ROUBADO

Vida de imigrante é dureza... Eu, carioca acostumada ao sol e calor, me arrepio até hoje ao lembrar dos invernos novaiorquinos, durante o tempo em que morei na “terra da promissão”.
Cansada da falta de perspectivas, comprei uma passagem para os Estados Unidos e saí daqui numa quente manhã de dezembro; poucas malas e muitos sonhos... Horas depois, ao sair do avião, entrei numa cidade-geladeira que me congelou primeiro o corpo e, aos poucos, meus planos de felicidade.
Sem visto para trabalhar, consegui uma vaga num desmonte de aparelhos eletrônicos, onde ganhei minha tv, meu micro e um pequeno aparelho de som, onde matava as saudades da terrinha escutando Djavan.
Trabalhávamos, eu e muitos outros latinos, como diaristas e vez por outra saíamos ao fim do dia em busca de alguma diversão naquela terra que nos tratava como seres limitados e incapacitados para tarefas mais complexas do que a que fazíamos. Sei que existem exceções, mas a grande massa de imigrantes acaba relegada a fazer o “serviço sujo”, onde se dispende força física e nenhum esforço intelectual.
Foi numa destas noitadas que o conheci. Me olhou demoradamente tão logo entrou no bar e eu, meio hipnotizada pelo brilho daqueles olhos, lhe sorri como se visse um antigo amor, há muito tempo perdido. Detalhes eu hoje não consigo me lembrar, mas sei que, ao final daquela noite, eu já o considerava o homem da minha vida.
Depois dele os dias passavam mais suaves, as costas doíam menos e eu já não chorava a cada vez que olhava minhas mãos, antes tão bem cuidadas e hoje calejadas pelo trabalho pesado; ele dizia que eram mãos que construíam o mundo, mesmo que este mundo fosse americano, e isso me acalentava.
Nunca me levou a conhecer seus amigos, ainda que fosse sempre bem acolhido entre os meus; de sua família não sabia nada além de serem de algum destes países do Oriente Médio, que falam engraçado e se ajoelham ao meio-dia em direção à Meca, pedindo bênçãos à Alah. Às vezes me ria de alguns costumes, mas ele carinhosamente me colocava em meu lugar e, depois de certo tempo, aquilo tudo já me parecia natural.
Possuía emprego fixo, não era um ilegal como eu, mas como conseguira o green card eu nunca consegui descobrir. Falar de sua vida pessoal era algo que, por mais tentativas que eu fizesse, não resultavam em nenhuma informação e, com o tempo, me acostumei a isso também.
Vivi durante um ano verdadeiro conto de fadas. Tinha carinho, amor, paixão, tesão e todas as coisas que uma mulher pode desejar do seu homem. Por vezes sentia-o tenso, mas ele dizia ser culpa do medo que sentia de que eu resolvesse voltar para o Brasil. Dormia, muitas noites, agarrado a mim, como se temesse que eu fugisse durante a noite, o que me enternecia a ponto de chorar sozinha vendo-o assim tão desprotegido.
Faltavam dois meses para o nosso primeiro aniversário juntos quando ele disse que eu teria uma grande surpresa e, por mais que eu lhe pedisse, não disse o que seria. Aguardei ansiosa, creio que nem vivi direito estes dias, à espera do que poderia ser.
Imaginava que me pediria em casamento; talvez me levasse a conhecer sua família, se fosse preciso me converteria à sua religião. Ele não deixava escapar uma única palavra que me adiantasse o que poderia ser. O máximo que consegui foi a promessa de que seria algo quente e que com certeza sairia até nos jornais. Quem sabe um outdoor dizendo que me ama, pensava eu.
As vésperas do grande dia ele veio, me amou uma, duas, três vezes. Parecia querer guardar cada parte do meu corpo colado ao seu. Jurou que nossas vidas estariam sempre ligadas e se foi. Não sei porque, mas permaneci horas na janela, mesmo depois que sua sombra há muito havia desaparecido ao fim da rua.
Era madrugada quando o sono me venceu e acordei com a campainha do telefone. Era ele, me pedindo que ligasse a tv e esperasse que minha surpresa apareceria em poucos minutos. Antes de desligar, me garantiu que maior que seu amor por mim só havia um e eu imaginei que fosse Alah o tal amor maior...
Com uma xícara de café nas mãos, assisti pela tv um avião mergulhando numa das torres do WTC. No primeiro instante pensei que a droga do atentado poderia atrasar minha surpresa e somente depois de alguns segundos consegui entender o que se passava...
Hoje, no dia que seria nosso terceiro aniversário juntos, ainda sinto o calor das queimaduras do café em minhas pernas e um vazio gelado na alma, que nenhuma explosão seria capaz de derreter...

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