quarta-feira, 8 de agosto de 2007

INTERLÚDIO

No inicio causou verdadeiro alvoroço; os moradores da casa, família e até os vizinhos resolveram intervir. Aquilo era inadmissível, perigoso. Coisa de gente excêntrica, que gosta de ser diferente dos padrões. E ela nem aí pro povão; tava achando bom demais...
Todo finzinho de tarde, quando a claridade ia cedendo espaço à escuridão, ela corria à espera dele. Sentava-se e ali passava quase uma hora inteira, completamente absorvida, vendo-o completamente à vontade.
No inicio ele pareceu se ressentir com tanta observação, mas depois se acostumou e até se arriscava a uma premeditada exibição; sabia que tinha platéia atenciosa e encantada com sua beleza.
Ela não tinha coragem de se aproximar demais; temia a reação dele. Ele também preferia se mostrar a uma certa distância, afinal nunca se sabe....
Assim passaram-se meses. Ela encantada; ele cada vez mais à vontade. Ela lhe criou um nome; creio que ele fez o mesmo. Se entendiam pela troca de olhares; pelos gestos de cada um.
Um dia criou coragem; falou com ele. Começou dizendo coisas tolas, mas quando percebeu aqueles olhos brilhantes voltados pra ela, foi contando de suas alegrias, dores, saudades. A atenção dele era irrestrita. Sabiam-se diferentes demais, mas havia amor.
Já passavam quase duas horas juntos diariamente e até os vizinhos acabaram se acostumando; nem comentavam mais sobre a “doida da casa ao lado”. Mas houve um dia em que ele não veio. Já era madrugada e nada. Será que havia se mudado? Teria enjoado de sua companhia? Encontrara finalmente uma companheira?
O dia amanheceu, ela levantou-se desistindo da espera. Morcegos nunca aparecem à luz do dia, e aquele nunca mais veio beber da água doce dos beija-flores.

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