quarta-feira, 8 de agosto de 2007

SILÊNCIO

“O silêncio da tua ausência me tortura e mata.”
O cartão que acompanhava as flores dizia apenas estas palavras e ela não fazia idéia de quem poderia tê-lo enviado. Não abandonara ninguém nos últimos 3 anos, tempo em que se dedicara ao curso no exterior, de onde voltara a apenas 8 horas. Quem estaria fazendo tal brincadeira?
Envolvida com as tantas caixas a desfazer antes que a família aparecesse, esqueceu completamente as flores e o cartão, só voltando a lembrar quando o sobrinho o achou perdido no canto sob a mesa e perguntou de quem era. A partir daí formou-se uma discussão sobre quem seria o misterioso apaixonado que esperara tanto tempo pelo seu retorno e ainda conseguira saber a data exata de sua chegada, coisa que até a família só tomou conhecimento um dia antes.
__ Sou capaz de apostar que é o Rubens, aquele cara que você deu um fora no tempo da faculdade, disse a irmã.
__ Eu arriscaria no Carlinhos, que mora aqui perto e sempre arrastou suas asinhas pra ela, disse a mãe.
E assim correu a noite, todos tão envolvidos pela curiosidade que quase nem perguntaram sobre seu período fora. Logo cada um foi saindo para suas casas e ela viu-se só. O silêncio era completo, ou quase, cortado apenas pelo apito do vigia noturno em sua constante ronda.
Deitou-se e ficou a imaginar o porquê de alguém enviar uma declaração daquelas e não se identificar. Não conseguia imaginar nenhum dos seus ex namorados indo a uma floricultura e enviando tal carinho. Todos haviam a amado, ou assim achava, mas sempre muito desprovidos de gestos românticos, preocupados mais com a correria diária do que com tais galanteios.
Havia um, que diferente de todos aqueles, a conquistara pela imensa diferença entre todos. Não havia dia em que chegasse e não trouxesse uma margarida roubada ou uma bala. Era sua forma de dizer seu amor e isso a comovia sempre, talvez pela simplicidade do carinho. Mas ele há muito partira e nunca mais tiveram qualquer contato. Já devia estar casado.
A noite silenciosa parecia preenchida pelos pensamentos desencontrados que lhe vinham em ondas, relembrando cada um daqueles amores que, por um tempo de sua vida, haviam sido seu motivo de levantar a cada manhã e sair pra vida. Não foram muitos, mas todos intensos, deixando ao final aquela saudade pacifica de ter-se vivido coisas boas.
Lá no fundinho de sua memória recordou-se até do primeiro namorado, o doido da bicicleta que mostrava sua virilidade carregando-a na garupa morro acima e fazendo a inveja dos outros meninos mais novos. As coisas eram tão mais simples naquele período...
Os namoros subseqüentes foram uma sucessão de grandes e fugazes paixões que se eternizavam por 1 ou 2 meses e se extinguiam da mesma forma que surgiam. Teve também aquele que durou muito, quando pensou em casamento, quando imaginou-se mãe de 10 filhos lindos e limpinhos, mas ele se foi e com ele sua vontade de se amarrar em definitivo a alguém.
Os três anos no exterior a haviam colocado em contato com gente de todos os tipos, mas nada sério e, quando retornou, não deixou ninguém por lá. Não queria laços.
De quem seria o cartão ? Quem mantivera sua lembrança dentro de si por tanto tempo sem se mostrar, sem tentar se aproximar ?
A manhã barulhenta cedeu lugar à noite silenciosa e a encontrou enroscada naquelas flores e cartão, agora já apaixonada pelo remetente, mesmo sem saber de quem se tratava, mas se a amava ela também o amava. Estava amando o sentimento, mais que a pessoa que o possuía.
Pouco depois o interfone tocou, avisando ser da floricultura. Seu coração, agora aos saltos, foi abrir a porta. “Ele” hoje devia se identificar. Com certeza diria quem era e talvez até marcasse um encontro...
O entregador, ao abrir a porta, mostrava-se sem jeito e, lhe pedindo mil desculpas, avisou-a que fizera entrega errada, que as flores e o cartão não lhe pertenciam. Depois de devolver seus tesouros ao rapaz, sentou-se no escuro de sua silenciosa sala e chorou pelo amor que acabara de perder quando ainda começava a sentir-lhe o gosto.

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