quarta-feira, 8 de agosto de 2007

FERA ACUADA

A noite avança escura; breu completo não fossem os olhos arregalados da fera desperta. Olhos de tigre enlouquecido que traz consigo a ferida aberta e sangrando da punhalada traiçoeira. Recusa-se a morrer...
Arreganha as presas e sabe que, tivesse por perto seu alvo, dilaceraria sua carne vorazmente e se regozijaria com a dor alheia como lhe haviam ferido. Fera insana que sabe que sangrará por dias infinitos de solidão e dor.
Não rosna, não berra sua agonia; quieta e inerte se mantém por toda a noite de expiação e pavor diante da morte que enxerga à sua frente, mas ainda assim recusa-se a mostrar ao mundo sua amargura.
Desmaia, se retoma e novamente se perde no vácuo negro do buraco em que se encontra, encurralada pela noite que não quer passar e insiste em lhe dizer, do alto do seu silêncio, do quanto foi enganada ao se crer admirada e, por que não dizer, amada.
Acomoda-se e busca posições em que o corpo não lhe machuque e doa como o faz a alma. Ferida feia a que carrega; cicatriz horrenda que insistirá em permanecer talvez para lhe lembrar da tamanha tolice que insistiu em cometer quando todos os seus instintos e razões lhe diziam que recuasse. Cegou-se e agora pagava seu preço. Tributo caro e amargo, mas merecia-o.
Vezes sem conta também ela já havia ferido de forma letal como agora fora ferida. Inúmeras vezes se vira diante de sua caça sem nenhum olhar de piedade; pensara apenas em sua defesa diante do desconhecido. Matara, dilacerara e destruíra ao menor sinal de ameaça à sua imaginaria paz e domínio, mas isso fora no passado. Há tempos tornara-se fera domada e obediente àquilo que lhe era superior; deixara seus instintos adormecerem e hoje é que percebia o quanto errara, o quão inocente fora ao imaginar que deixaria de ser olhada como a fera que era. Uma vez fera, jamais seria outra coisa.
No breu completo da noite, começou lentamente a lamber suas feridas, a retomar seus instintos de animal selvagem. Doía-lhe cada poro e era com esforço que continuava, mas sabia que o tempo cicatrizaria sua carne, bastava que se mantivesse oculta neste buraco onde ninguém lhe podia imaginar. Daqui a pouco voltaria a ser fera impiedosa e fatal.

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