sábado, 4 de agosto de 2007

ENCONTRO DAS ÁGUAS

No começo dos tempos, eu era uma Ninfa solitária que vivia em um recanto escondido da Terra. Era uma Ninfa das Águas... Das águas doces...
Meu mundo eram os riachos, lagos e fontes... Mundo sem grandes atribulações...
Não conhecia grandes alegrias... Nunca as havia sentido, mas, em contrapartida, também não havia sido atingida por dores atrozes... Vida serena e tranqüila como as águas onde eu vivia...
Distraía-me cantando e admirando a chegada ininterrupta dos dias e das noites... Brincava com o Sol... Conversava com a Lua... Acreditava-me feliz...
Domava tranqüila o curso dos riachos... Determinava serena o nível dos lagos... Era minha função na Terra... Ser a guardiã das águas doces e a elas encantar... Criava feliz fontes cristalinas...
Os pássaros já haviam me contado que existiam mais coisas fora daquele recanto... Imagine, um deles me cantara que existiam até mesmo águas salgadas... Eu ria quando ouvia que lá do outro lado, havia um outro elemento da natureza que se chamava Mar, onde as águas se agitavam constantemente formando o que ele chamava de ondas...
Eram coisas que ouvia, mas jamais dei importância...
Meu mundo era tão bom...
Poderia ter vivido assim por toda a eternidade, não fosse uma determinação do Criador: as águas deveriam se unir... E esta seria minha nova missão...Levar os rios ate as águas do Mar.
Para isso, os riachos teriam suas águas aumentadas... Transformariam-se em rios e viajariam até o local do grande encontro...
A principio, me encantei com a perspectiva de conhecer lugares novos... Os pássaros me diziam tanto das maravilhas do mundo...
E eu parti... Deixei meu aconchego de paz e me tornei viajante rumo ao desconhecido...
Me encantei com o vento que soprava forte... Amei a brisa que me acariciava as faces... Me deliciei com os desníveis das cascatas...
Tudo era tão novo... Tudo tão veloz...
Ritmo vertiginoso que me encantou, mas que logo me amedrontou...
E eu quis voltar... Quis retornar à mansidão do meu recanto... Chorei por ele...
Mas os rios não voltam nunca, me foi explicado... Eles agora correrão eternamente para o mar...
Fui então possuída pelo medo.

Sou riozinho pequeno! Serei engolida pelas águas deste mar que sempre me disseram ser agitado e bravio... Nunca mais conhecerei a paz! Perderei-me eternamente...
E me entreguei a um sofrimento atroz... Não percebi a beleza do percurso; não me detive diante da natureza que, serena, mostrava-me que nada existe por acaso.
Tornei-me fúria...
De riozinho calmo transformei-me em corredeira incontrolável e destruidora... Queria destruir-me... Queria destruir... Em meu medo não pensava; apenas sofria e fazia sofrer ...
E quanto mais bravio e caudaloso o rio ficava, mais rápido avançava... Quanto mais me debatia, mais próxima estava... Quanto mais relutava, mais rápido chegava...
Até que, quando minhas forças já haviam se esgotado... Quando, exausta, entreguei-me ao meu destino resignada, avistei ao longe uma imensidão azul...
Azul mesclado de verde... Encantei-me com as cores...
Deliciei-me com o cheiro... Curiosa, levantei-me para avistar melhor aquele espetáculo de beleza...
De onde estava, parecia tudo tão tranqüilo... Lugar de tanta paz...Encantada, perguntei aos pássaros que lugar era aquele. E, surpresa, os ouvi dizer que era o Mar...
Caminhei até meu paraíso com passos receosos... Depois de tanto relutar em seguir, agora queria chegar...

Mas ainda tinha medo... Medo que se transformou em riso de prazer ao perceber que aquela imensidão brilhante me esperava de braços abertos...
Suas ondas me recebiam e puxavam com suavidade... Seu gosto salgado suavizou-se ao receber a doçura das águas doces...
As águas doces ganharam cor e tempero ao se fundirem ao mar...
E só aí percebi que havia nascido para o Mar... Que minha relutância só havia me feito sofrer, pois meu curso era inevitável... Meu destino era certo...
E assim acontece até os dias de hoje: os rios correm mais lentos na sua nascente; mais rápidos e ferozes no meio do seu trajeto e se entregam mansamente ao Mar quando dele se aproximam...
As ondas que vemos adentrando na foz dos rios são, na verdade, beijos de amor e de saudade com os quais o Mar recebe sua amada a cada regresso...
Continuo guiando os rios para o eterno percurso, mas hoje sigo em paz... Sei que o Mar me espera...
Sei que, não importa quanto sofrimento haja no percurso, ninguém poderá impedir que os rios busquem o mar...
Mesmo que minha trajetória seja desviada... Mesmo que eu lute...As barragens produzirão energia... As cascatas irão purificar minhas águas....
Mas o destino será sempre o abraço amoroso do Mar ...
Sei que, ao envolver-me em suas águas, me completarei...
Sei que, ao perder-me em sua imensidão, me encontrarei onde sempre quis estar:
Nos braços do meu amor...

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